sábado, 30 de outubro de 2010

Sequidão

O mal da polícia é o estardalhaço que sempre faz.

Daqui de cima, vendo os carros e suas sirenes chegarem, eu repassava tudo em minha mente. O táxi, a calçada, o saguão de entrada, o cartão-chave do quarto, o elevador, os passos rápidos pelo corredor, a porta abrindo-se com um clique, o barulho do chuveiro ligado, o banheiro, a toalha branca, a banheira, o disparo silencioso, a toalha respingada de vermelho, o sangue espalhando-se como fumaça pela água e pairando ao lado do corpo já sem vida.

Uma pausa.

Novamente o corredor, a camareira passando, o elevador, subindo; dois andares acima, ela, e seu forte perfume; mais três andares e sai. Dois minutos e eu estava no terraço; aqui.

E, daqui, eu tinha a impressão de ver a cidade toda. Suas várias luzes, de variadas cores, piscavam para mim, enquanto meus pés balançavam na beirada do prédio. Ao longe, nos limites da cidade, as montanhas erguiam-se na sombra, fantasmagóricas. Na rua diretamente abaixo das solas de meus tênis, pequenos grupos de urbanóides riam e conversavam em um bar, poucos percebendo a presença dos policiais. Não havia o que fazer. Só esperar.

E esperei, até que eles percebessem que eu não estava mais no quarto, perguntassem a todos, achassem quem me viu e, finalmente, arrombassem a porta que sai para o terraço.

Como sempre, o estardalhaço. Todos gritavam, e nada era entendido. Havia várias lanternas, e, pelo barulho, uns dez tiras.

Ouvi armas sendo engatilhadas e mais gritos. Chega.

Levantei-me e me virei para eles, equilibrando meus pés no limite do edifício. Todos olhavam para mim, meio incrédulos. Vi os olhos de cada um. Tensos, nervosos. Não nasceram para isso.

Enfiei a mão no bolso e retirei o pequeno objeto cilíndrico. Ouvi o grito:

- Solte a arma!

Não, isso não é uma arma. Pelo menos não no sentido em que eles pensam. Levantei minha mão à altura dos olhos de todos, e, quando viram a ponta vermelha piscando, exatamente igual à que estava no chão entre mim e eles, mas em um objeto um tanto maior, seus olhos se arregalaram ainda mais.

Fiquei parado, vendo a reação. Uns deram um passo para trás, outros para frente. Alguns simplesmente pararam, com cara de quem não acreditava muito. No fundo, todos sabiam que não havia saída; não havia o que fazer. Só esperar.

Tudo ir para os ares.

2 comentários:

  1. seus contos são maravilhos Kauê, parabéns :D

    @carolmerlo92

    ResponderExcluir
  2. Excelente conto.
    Muito bom encontrar mais um blog assim, onde passarei a frequentar.

    Abraços e meus parabéns

    ResponderExcluir