quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Vem

- Espere. Ouça. Vamos, ouça. Reconheceu? São os lobos. Estão voltando. E trazem poeira.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Capitais

Andando devagar, comecei a fazer o caminho de volta.

Enquanto caminhava, as imagens de poucos instantes atrás voltavam à minha mente. Os olhos negros, um disparo silencioso e o ruído típico de algo cortando o ar. O tempo parecia passar mais devagar na queda de um corpo. O sangue, ao espirrar para o alto, zombava do mundo e toda a sua ordem. E aquele vermelho. Quando ele surge, todas as outras cores parecem sem graça. Cinzas. Tudo parece se resumir às pequenas gotas e em onde elas vão cair, se no chão ou em meu tênis surrado.

O vento frio da noite me fez entrar no primeiro bar que vi à minha frente, com sua porta minúscula e fachada praticamente nula. Ao entrar, tentei absorver toda a cena de dentro do lugar. Era deprimente. Algumas cadeiras e mesas caídas, quebradas; algumas garrafas caídas, rolando no chão; algumas pessoas caídas, não sei se mortas ou apenas bêbadas demais. Aliás, várias delas. Algumas, bem poucas, remexiam-se, ou de dor ou para arrumar uma posição melhor para o sono. Fui até o balcão e me servi de uma dose de uísque, sem gelo. Não que eu fosse ficar ali. Não, não hoje. Virei a dose e o meu corpo para sair.

Abri a porta e novamente senti o frio cortante de antes. Andei rápido. Tão rápido que as coisas à minha volta viraram borrões em meio à névoa da madrugada e à fina garoa. Quando vi, de canto de olho, algo que quase passou despercebido.

Quando me virei para olhar, agradeci por não ter ignorado aquele vulto de um branco quase fantasmagórico à minha frente. Ela era linda. Estava parada, olhando para mim, num convite silencioso. Cheguei mais perto e toquei seu braço. Estava mais gelado que o vento. Ela se virou, indo para a rua de onde tinha vindo, e eu dei uma última olhada para trás.

Hoje seria um daqueles dias que não acabam, eu sabia.

sábado, 30 de outubro de 2010

Sequidão

O mal da polícia é o estardalhaço que sempre faz.

Daqui de cima, vendo os carros e suas sirenes chegarem, eu repassava tudo em minha mente. O táxi, a calçada, o saguão de entrada, o cartão-chave do quarto, o elevador, os passos rápidos pelo corredor, a porta abrindo-se com um clique, o barulho do chuveiro ligado, o banheiro, a toalha branca, a banheira, o disparo silencioso, a toalha respingada de vermelho, o sangue espalhando-se como fumaça pela água e pairando ao lado do corpo já sem vida.

Uma pausa.

Novamente o corredor, a camareira passando, o elevador, subindo; dois andares acima, ela, e seu forte perfume; mais três andares e sai. Dois minutos e eu estava no terraço; aqui.

E, daqui, eu tinha a impressão de ver a cidade toda. Suas várias luzes, de variadas cores, piscavam para mim, enquanto meus pés balançavam na beirada do prédio. Ao longe, nos limites da cidade, as montanhas erguiam-se na sombra, fantasmagóricas. Na rua diretamente abaixo das solas de meus tênis, pequenos grupos de urbanóides riam e conversavam em um bar, poucos percebendo a presença dos policiais. Não havia o que fazer. Só esperar.

E esperei, até que eles percebessem que eu não estava mais no quarto, perguntassem a todos, achassem quem me viu e, finalmente, arrombassem a porta que sai para o terraço.

Como sempre, o estardalhaço. Todos gritavam, e nada era entendido. Havia várias lanternas, e, pelo barulho, uns dez tiras.

Ouvi armas sendo engatilhadas e mais gritos. Chega.

Levantei-me e me virei para eles, equilibrando meus pés no limite do edifício. Todos olhavam para mim, meio incrédulos. Vi os olhos de cada um. Tensos, nervosos. Não nasceram para isso.

Enfiei a mão no bolso e retirei o pequeno objeto cilíndrico. Ouvi o grito:

- Solte a arma!

Não, isso não é uma arma. Pelo menos não no sentido em que eles pensam. Levantei minha mão à altura dos olhos de todos, e, quando viram a ponta vermelha piscando, exatamente igual à que estava no chão entre mim e eles, mas em um objeto um tanto maior, seus olhos se arregalaram ainda mais.

Fiquei parado, vendo a reação. Uns deram um passo para trás, outros para frente. Alguns simplesmente pararam, com cara de quem não acreditava muito. No fundo, todos sabiam que não havia saída; não havia o que fazer. Só esperar.

Tudo ir para os ares.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Cotidiano

Do outro lado, o Sol morria.
Pra começar a nascer o meu dia.

sábado, 21 de agosto de 2010

Capabaixo

Põe água na rosa.
- Põe fogo na rosa.

Não, na rosa não.

Era tudo mentira?
Ou é tudo saudade?


¿

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

A Matemática

O sinal fechou.

Os malabares de fogo rodaram no ar. Ele era colorido. Invisível. As chamas brilhavam em seus olhos. Seus braços iam de cima para baixo rapidamente. Concentrava-se em não errar. Apesar disso, após um leve desvio, as palmas de suas mãos tostaram na ponta do bastão. A fumaça cinza que subiu cobriu sua cabeça por um momento. Quando dissipou-se, era possível ver rugas de um homem velho marcadas na pintura do rosto.

Andou entre os carros, a mão enegrecida estendida à espera do dinheiro. O preto das janelas refletia o castanho fundo de seus olhos, tão destacado no meio de tantas cores em seu chapéu. No único carro com vidros transparentes, um inocente rosto de menina olhou para ele. A criança sorriu. Por um momento, pareceu que ele ia ceder. Sua boca se contorceu numa expressão de esforço. Abaixou a cabeça, virou-se e caminhou para longe. No carro, com o nariz colado no vidro e olhos suplicantes, a menina o observava. Ele não olhou para trás. Nunca olharia. Olhou para o sinal e percebeu que estava aberto para os automóveis. Saiu do meio da rua e foi sentar-se no canteiro da calçada.

O Palhaço contou as poucas moedas e olhou para o céu. Não rezou. Sabia que não havia nenhum anjo para ele. Levantou a cabeça apenas para não deixar que as lágrimas escorressem e estragassem a pintura do rosto. Tirou o nariz vermelho e jogou a pequena poça de suor de dentro dele no chão. Esperou.

O sinal fechou.