“São 107 passos até o silêncio”, disse-me ela certa vez.
Pela primeira vez, as paredes metálicas não parecem estar se fechando sobre mim por todos os lados. A cama, pequena demais para mim como sempre, traz descanso como nunca. O teto branco parece mais limpo, como se o tivessem esfregado durante a noite.
Só agora percebi que já trouxeram minha comida. Ela paira intocada em sua bandeja, no chão, perto da saída. Não, não vou comer.
Ouço um barulho, de bem longe – barulho de botas de couro batendo no chão. Botas de couro preto, com uma grande e alta sola de borracha. Será hoje? Será hoje, finalmente?
Não aguento e me levanto da cama, sem sequer um ruído. Me aproximo das barras de metal, mas ainda assim não consigo enxergar o dono das botas. Volto minha atenção para uma libélula pousada em cima da torneira da pequena pia que fica no canto. É a única coisa do aposento que ainda conserva alguma cor. Pego seu verde em minha mão direita e levo até a janela. Subitamente, ela voa por entre a grade. Não olha pra trás.
“Voe”, penso. “Daqui a pouco estarei como você: com cores novamente”.
Percebo que o barulho das botas parou. Quando olho para trás, vejo que o motivo é simples. Elas chegaram ao seu destino. A minha cela. “Chegou a hora”, diz a voz.
Meu rosto se abre
A porta se abre e a luz me inunda. Com a cabeça virada para cima, para o azul que há muito não via, ando em linha reta em direção à parede marrom do outro lado do pequeno pátio. Minha vontade é de deitar no chão apenas para contemplar o azul, mas sei que ele ainda não é meu. Mas será.
Paro a poucos metros da parede e me viro. A possibilidade do azul se resume a um pequeno objeto em uma mão à minha frente, à qual olho insistentemente.
A libélula corta o ar bem próximo aos meus olhos e me distraio. Não percebo quando a arma dispara em minha direção.